Nas fontes batismais, cultivamos a vida interior que norteia nossas escolhas no cotidiano
A Páscoa é celebrada durante as semanas que se seguem ao dia da
Ressurreição do Senhor, nas quais procuramos conhecer mais os
sacramentos, as orações e a própria vida da Igreja. Trata-se de um
tesouro inesgotável, do qual desejamos continuamente haurir a seiva que
sustenta a presença cristã no mundo. A fonte é sempre o Senhor Jesus
Cristo, Cabeça do Corpo que é a Igreja, com Sua graça comunicada a todos
os cristãos. Nele fomos enxertados pelo batismo, nele desejamos
permanecer e produzir frutos (Cf. Jo 15, 1-8). A vida cristã é uma
divina aventura, conduzida pela graça de Deus, a fim de que nós
manifestemos visivelmente a obra que o Senhor realiza em nossas almas,
fazendo a nossa parte na construção do Reino de Deus. Sim, a cada
cristão, renascido nas fontes batismais, cabe a tarefa de desenvolver a
vida divina que lhe foi concedida.
Começa por dentro, no cultivo daquilo que chamamos vida interior, por
meio do cuidado com a semente de vida plantada por Deus em nosso
coração. Vale uma pergunta a respeito das ocasiões em que nos
encontramos sozinhos, olhando no espelho da própria consciência, para
verificar se estamos cuidando com carinho do que Deus mesmo plantou em
nós. Como é a nossa oração pessoal? Como utilizamos o tempo livre? Para
que exista coerência em nossa existência, há que se cuidar do lado de
dentro, a ser continuamente examinado, com o que a Igreja chama de exame
de consciência, feito no confronto o que Deus pensa para nós. É fácil
perguntar o que penso sobre minha vida, até porque podemos ser juízes
tendenciosos em causa própria. Muito mais exigente e libertador é deixar
que a luz de Deus ilumine o recôndito de nossa alma. De fato, a
Escritura ensina: “Feliz o homem a quem Deus corrige! Não rejeites,
pois, a repreensão do Poderoso, porque ele fere, mas trata da ferida;
golpeia, mas suas próprias mãos curam” (Jó 5, 17-18).
O cuidado com a vida interior pode contar com duas fontes preciosas, que se completam maravilhosamente.
Trata-se da Palavra de Deus, lida, ouvida e praticada, e mais a vida de
oração. Como estamos tratando de cristãos desejosos de aprofundar sua
vivência pessoal da fé, vale para todos a insistência em rezar mais e
rezar melhor. É escolher mesmo um tempo para rezar. A sabedoria da
Igreja nos indica as orações da manhã e da noite, a leitura orante da
Palavra de Deus, a participação na Eucaristia como ponto alto da semana,
além do Rosário e as devoções pessoais, cultivadas com carinho. E a
história dos santos nos legou pequenas flechas, dardos de amor dirigidos
ao Senhor, chamados “jaculatórias”, começando da invocação do nome de
Jesus.
Quantos “peregrinos” aprenderam a dizer “Senhor Jesus Cristo, Filho
do Deus vivo, tem piedade de mim, que sou pecador”, invocação repetida
inúmeras vezes durante o dia, a chamada “Oração de Jesus”.
Impressionante é a força libertadora da memória que se enche de coisas
boas, das quais a melhor é o cultivo da amizade com Deus. O que importa é
nortear o programa de vida com escolhas claras, priorizando o que passa
na frente, que é seguir a Jesus Cristo.
Toda planta frutífera vem a ser podada de tempo em tempo. Daí vem a
magnífica afirmação do Senhor: “Eu sou a videira verdadeira e meu Pai é o
agricultor. Todo ramo que não dá fruto em mim, ele corta; e todo ramo
que dá fruto, ele limpa, para que dê mais fruto ainda” (Jo 15, 1-2).
Como acontece com a parreira de uva, também nossa vida cristã precisa
ser podada e purificada. “Nossos pais humanos nos corrigiam, como melhor
lhes parecia, por um tempo passageiro; Deus, porém, nos corrige em
vista do nosso bem, a fim de partilharmos a sua própria santidade. Na
realidade, na hora em que é feita, nenhuma correção parece alegrar, mas
causa dor. Depois, porém, produz um fruto de paz e de justiça para
aqueles que nela foram exercitados” (Hb 12, 10-11). Certamente não é
fácil suportar os golpes de cinzel do divino escultor, que quer esculpir
em nós uma obra de arte. Algumas podas permitidas pelo Senhor,
como o sofrimento, o cansaço, as tribulações, a perseguição ou as crises
pessoais não nos façam perder a esperança.
E chega a nossa vida o tempo dos frutos (Mt 7, 17-12): “Pelos seus
frutos os conhecereis”. Nossa união com o tronco, de onde recebemos a
seiva da graça, manifesta-se na caridade vivida, na atenção ao próximo,
nos gestos e palavras correspondentes à fé professada. Não cabem na vida
do cristão a insensibilidade diante do sofrimento nem a desatenção com
aquilo que ocorre ao nosso redor. Nos dias que correm dos desastres
naturais noticiados, como o terrível terremoto no Nepal, passando pelos
vulcões e outros fenômenos, chegamos aos problemas criados pelos homens e
mulheres de nossa geração. Há poucos dias, os bispos do Brasil,
reunidos em sua 53ª Assembleia Geral, alertaram nosso povo para algumas
das muitas mazelas que pedem o testemunho corajoso dos cristãos: “A
corrupção, praga da sociedade e pecado grave que brada aos céus (Cf.
Papa Francisco – O Rosto da Misericórdia, n. 19), está presente tanto em
órgãos públicos quanto em instituições da sociedade.
Combatê-la, de modo eficaz, com a consequente punição de corrompidos e
corruptores, é dever do Estado. É imperativo recuperar uma cultura que
prima pelos valores da honestidade e da retidão. Só assim se restaurará a
justiça e se plantará, novamente, no coração do povo, a esperança de
novos tempos, calcados na ética. A credibilidade política, perdida por
causa da corrupção e da prática interesseira com que grande parte dos
políticos exerce seu mandato, não pode ser recuperada ao preço da
aprovação de leis que retiram direitos dos mais vulneráveis”.
Nosso relacionamento com a família, o ambiente de trabalho e todos os
níveis de contato com as pessoas e a sociedade devem transformar-se a
partir de dentro do coração humano, para gerar uma nova cultura, aquela
que o Papa Francisco chama de “cultura do encontro”. O Papa se relaciona
com os outros como pessoa que encontra pessoas e que coloca
profundamente em jogo a sua vida e busca que seu interlocutor coloque em
jogo a si mesmo. É uma metodologia muito pessoal e envolvente,
manifesta seu carisma, sua capacidade de ir ao coração do outro e
convidá-lo a dar passos, a colocar-se em caminho pelo bem da humanidade.
No grande vinhedo do mundo, há alguém que sabe vir de dentro do coração de Deus para que a cultura do Evangelho se espalhe!
Fonte: Canção Nova
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