Há uma grande escolha na vida cotidiana de oração: é a leviandade, a inconstância natural do homem.
Essa inconstância tem a sua origem na inteligência e engendra, quando
não combatida, a apatia da vontade e termina infalivelmente na tibieza.
O espírito leviano é oposto ao espírito refletido. A inteligência
superficial não permite à ideia penetrar em si e aí deitar raízes. Além
disso, como está completamente coberta pelos matos dos pensamentos vãos,
das preocupações fúteis e dos apegos às coisas criadas, a semente da
graça, apenas recebida, é logo sufocada.
Uma alma leviana vive na superfície das coisas. Mesmo durante a
oração, não reflete, não penetra a verdade proposta, não se prende à
consideração das coisas do além.
Nunca foi tocada pelas máximas do Evangelho, pelas perfeições de
Deus, pelos direitos imprescritíveis de seu soberano domínio, pelos
pensamentos salutares dos santos.
Não considerou o amor do qual tem sido objeto por parte de Jesus, nem
a alegria íntima que lhe poderia causar, por sua vez, dando-se a Ele,
nem a glória eterna que uma pequena criatura poderia dar ao grande Deus
da eternidade.
Tal alma também nunca pensou seriamente no perigo de não conseguir a
sua salivação, nem no furor dos demônios contra ela, nem na indizível
fraqueza humana, ante a tentação.
A alma irrefletida é, pois, semelhante a uma barqueta frágil, lançada sem leme no vasto oceano.
As ondas das impressões, dos acontecimentos, dos sucessos e dos
contratempos, lançam-na continuamente para cá e para lá, chocam-se
contra ela, empurram-na, sacodem-na em todos os sentidos, sem que ela
possa resistir e, cedo ou tarde, acabará por soçobrar.
Assim, a alma leviana deixa vagar o seu espírito ao acaso. Não tem
nem ordem nem nexo na sua vida, na sua oração e nas suas ocupações.
Falta-lhe um fim único, uma ideia-mestra, um polo capaz de atrair e de
fixar seus pensamentos, os seus desejos e toda a sua atividade.
Este polo é Jesus, o seu amor soberano. Mas a alma leviana não
aproveitou o tempo para se deixar fascinar por Ele. Ainda não pôde
impor-se o esforço de fixar o espírito nesse divino Mestre; nos
mistérios da sua vida e nas torturas da sua morte. Também não alcançará a
santidade.
Todavia, não confundamos essa infeliz disposição com o estado das
almas sinceras, atormentadas sem descanso pelas distrações
involuntárias, durante a meditação e os exercícios de piedade. Estas
frequentemente sofrem bastante e às vezes deixam-se invadir pelo
desânimo. Parece-lhes não poderem chegar a gozar do santo recolhimento
tão necessário à sua santidade.
Almas confiantes: não vos causeis inútil mágoa! Podeis chegar à
perfeição apesar de vossas distrações. Deus quis fazer para São Luís
Gonzaga de libertá-lo de toda divagação do espírito durante a oração,
mas teria podido também santifica-lo, inspirando-lhe simplesmente de
tirar partido de sua fraqueza natural e dando-lhe a força de nunca se
deter nas distrações voluntariamente.
Os maiores santos tiveram divagações do espírito e da imaginação,
mas, como disse Cassiano, não deram mais importância a elas do que às
moscas que esvoaçam ao redor de nós.
Segundo São Pedro Damião, o profeta Elias, que por sua oração impediu
o céu de lançar um pingo de chuva durante três anos, não foi isento de
distrações. É, com efeito, mais fácil, diz ele, fechar o céu do que
nossa alma, e torna-la impenetrável às distrações (cf. Sermo In Vig.
Nativ.).
Muitas vezes, as almas inexperientes imaginam orar mal por que têm
uma divagação de espírito. Não sabem que as distrações são uma
consequência da nossa instabilidade natural.
Recebemos de Deus uma vontade livre. É a soberana das outras
faculdades. Mas seu império é imperfeito. Tem pouco poder sobre a
imaginação, não pode evitar todas as apresentações, todas as lembranças
do passado, não pode mesmo impor sempre um objetivo à inteligência.
A nossa inteligência, aliás, também é limitada. Inteiramente
absorvida por uma ocupação, não a deixa facilmente para abordar outra.
Quando a corda de um arco foi violentamente esticada, pode imediatamente
recuperar sua primeira posição e cessar de vibrar?
Sem dúvida, a nossa inteligência é uma faculdade espiritual, mas tira
seu objetivo dos sentidos, da imaginação. Não pode, pois, subtrair-se
inteiramente às leis da matéria. A vontade nem sempre poderia, por uma
simples ordem, a força-la à obediência.
A este motivo ajunta-se outro: um grande número de distrações provém
da doença, da indisposição, da fadiga do corpo. Quando este está
amolecido ou esgotado ou simplesmente mal disposto, a alma não se pode
servir dele à sua vontade. Então as distrações molestam-na.
Que deve fazer, pois, a alma confiante perseguida pelas distrações?
Antes de tudo, de nada serve exasperar-se contra si, impacientar-se
ou mesmo afligir-se. Nem o corpo, nem a alma são responsáveis pelas
divagações.
É preciso transformar a necessidade em virtude, aceitar pela vontade o
estado de impotência, alegrar-se perante Deus por ser incapaz por si só
de todo bom pensamento, refugiar-se na alma da Santíssima Virgem, e
encarrega-la de amar nosso Senhor no seu lugar. Ao mesmo tempo, é
necessário levar a luta contra as distrações, com denodo e sem se
cansar.
Assim que percebemos que a inteligência ou a imaginação fugiram, é
necessário reconduzi-las com mansidão, porém resolutamente. Devêssemos
recomeçar cem vezes durante uma meditação, sem nos queixarmos nem
lamentarmos.
Cada olhar voluntário para Deus é um ato de amor, conquistado a ponta
de espada. Cada um deles produz na alma o seu fruto, como sejam suaves
colóquios com Deus.
Devemos persuadir-nos bem: a única coisa que desagrada a Deus é a vontade afastando-se d’Ele voluntariamente.
A distração, não aceita voluntariamente, não afasta a alma de Deus.
Não é pelas ideias que agradamos a Deus, mas pela conformidade da nossa vontade ao seu beneplácito.
Diante de Deus só a vontade vale, em bem ou em mal. Quem não chega a compreender esse princípio, nunca terá paz.
Deus não pode pedir contas do que está em nós, porque é justo. Não quer pedir-nos conta, porque é bom e cheio de misericórdia.
Se fosse a vontade de Deus ser servido sem distrações, ter-nos-ia
dado uma natureza semelhante à dos anjos, uma natureza espiritual livre
das necessidades do corpo e liberta de toda impressão sensível. Não o
fez, encontrando tanta glória em ser adorado e amado por uma criatura
feita de barro, como pelos puros espíritos livres de distrações.
É necessário mesmo, por delicadeza, não se queixar a Nosso Senhor de ter distrações involuntárias no seu serviço.
Queixar-se, afligir-se, significaria um desejo de ser diferente, e
uma certa vergonha de estar sujeito às enfermidades humanas, o que
insinuaria que serviríamos mais perfeitamente a Deus e com mais glória
para Ele, se fôssemos anjos.
Não digamos isto! Não o pensemos; não contristemos Jesus fazendo-lhe crer que não estamos contentes.
Sirvamo-lo onde Ele nos colocou, de boa vontade, da maneira que uma
criatura de barro pode servi-lo, porém com o coração alegre e o rosto
sereno.
Demos-lhe a satisfação de fazer desse verme da terra um serafim de
amor, chamado para ocupar dignamente seu lugar entre os mais elevados
espíritos.
Que alegria para uma alma humildemente confiante ver as misérias da
sua natureza humana e poder dizer-se objeto de uma solicitude infinita
por parte de Deus todo poderoso; saber que esse soberano Senhor fica tão
comovido vendo nossos pobres esforços para afastar as distrações como
escutando o arrebatador concerto dos anjos no céu!
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