É preciso ter bastante cuidado com as penitências absurdas na Quaresma
Quaresma é tempo de lutar contra nossos pecados, pois ele é a pior
realidade para nós, é um período de reflexão, de penitências, de
conversão espiritual em preparação para o mistério pascal. O Catecismo
diz: “Aos olhos da fé, nenhum mal é mais grave que o pecado, e nada tem
consequências piores para os próprios pecadores, para a Igreja e para o
mundo inteiro” (n. 1489).
Olhando para Jesus, desfigurado e destruído na cruz, entendemos o
horror que é o pecado. Foi preciso a morte de Cristo para que nos
livrássemos do pecado e da morte eterna, a separação da alma de Deus.
Então, a Igreja nos propõe 40 dias de penitência, de resistência contra o
pecado na Quaresma.
Essa prática é baseada na vida do povo de Deus. Durante 40 dias e 40
noites, caiu o dilúvio que inundou a terra e extinguiu a humanidade
pecadora (cf. Gn. 7,12). Durante 40 anos, o povo escolhido vagou pelo
deserto, em punição por sua ingratidão, antes de entrar na terra
prometida (cf. Dt 8,2). Durante 40 dias, Ezequiel ficou deitado sobre o
próprio lado direito, em representação do castigo de Deus iminente sobre
a cidade de Jerusalém (cf. Ez 4,6). Moisés jejuou durante 40 dias no
Monte Sinai antes de receber a revelação de Deus (cf. Ex 24, 12-17).
Elias viajou durante 40 dias pelo deserto, para escapar da vingança da
rainha idólatra Jezabel e ser consolado e instruído pelo Senhor (cf. 1
Reis 19,1-8). O próprio Jesus, após ter recebido o batismo no Jordão, e
antes de começar a vida pública, passou 40 dias e 40 noites no deserto,
rezando e jejuando (cf. Mt 4,2). É um tempo de luta contra o mal.
São Paulo nos oferece uma indicação precisa: “Nós vos exortamos a que
não recebais em vão a sua graça”. Porque Ele diz: “No tempo favorável,
eu te ouvi; no dia da salvação, vim em teu auxílio’’. Este é o “tempo
favorável”, este é “o dia da salvação” (2 Cor 6,1-2). A liturgia da
Igreja aplica essas palavras de modo particular ao tempo da Quaresma.
“Convertei-vos e crede no Evangelho” e “Lembra-te de que és pó e ao pó
hás de voltar”.
Convite à conversão
O primeiro convite é à conversão, é um alerta contra a
superficialidade de nossa maneira de viver. Converter-se significa mudar
de direção no caminho da vida: uma verdadeira e total inversão de rumo.
Conversão é ir contra a corrente, contra a vida superficial, incoerente
e ilusória, que frequentemente nos arrasta, domina e torna-nos escravos
do mal ou pelo menos prisioneiros dele. Jesus Cristo é a meta final e o
sentido profundo da conversão; Ele é o caminho ao qual somos chamados a
percorrer, deixando-nos iluminar pela sua luz e sustentar pela sua
força. A conversão é uma decisão de fé, que nos envolve inteiramente na
comunhão íntima com a pessoa viva e concreta de Jesus. A conversão é o
‘sim’ total de quem entrega sua vida a Jesus pela vivência do Evangelho.
“Cumpriu-se o tempo e o Reino de Deus está próximo. Arrependei-vos e
crede no Evangelho” (Mc 1,15).
Leia também:
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As penitências não são para fazer mal
Para vencermos a nós mesmos, nossas fraquezas e paixões desordenadas,
a Igreja recomenda, sobretudo na Quaresma, o jejum, a esmola e a oração
como “remédios contra o pecado”, a fim de dominar as fraquezas da carne
e aproximar-se de Deus. Portanto, não se deve fazer penitências
exageradas, uma mortificação que leve a pessoa a ficar doente ou a se
sentir mal. O jejum exige, sim, passar um pouco de fome durante o dia,
mas sem causar mal à pessoa, sem tirar a sua condição de trabalhar,
rezar etc.
Saber calar pode ser uma boa penitência
Há formas boas de mortificação, como cortarmos aquilo que nos agrada,
seja para o corpo ou para o espírito, mas há pessoas que fazem
excessos: peregrinações longas demais, penitências até com feridas,
prejudicando a saúde. Deus não quer isso, Ele não nos pede o impossível.
Qual mortificação eu preciso fazer? É aquela que abate o meu pecado.
Se eu sou soberbo, então minha penitência deve ser o exercício de
humildade: vencer todo orgulho, ostentação, vaidade, exibicionismo,
desejo de aparecer, de impor-se aos outros e saber calar.
Se seu pecado é o apego aos bens materiais e ao dinheiro, então eu
preciso exercitar muito a boa e farta esmola, o desprendimento do mundo e
das criaturas. Se meu mal é a luxúria e a impureza, então vou exercitar
a castidade nos olhos, ouvidos, leituras, pensamentos e atos. Se sou
irado, vou conquistar a mansidão; se sou invejoso, vou buscar a bondade;
se sou preguiçoso, vou trabalhar melhor e ser diligente em servir aos
outros sem interesses.
Perdoar pode ser mais importante
São Francisco de Sales, doutor da Igreja, dizia que a melhor
penitência é aceitar, com resignação, os males que Deus permite que nos
atinjam, porque Ele sabe do que precisamos, e assim nossos pecados são
vencidos. As penitências que Deus nos manda é melhor do que aquela
imposta por nós mesmos. Então, aceite, especialmente na Quaresma, sem
reclamar, sem culpar ninguém, todos os males, dores, aborrecimentos e
injurias que sofrer, e ofereça tudo a Deus pela sua conversão. Pode ser
que dar o perdão a quem lhe ofendeu seja mais importante do que ficar 40
dias sem fazer isso ou aquilo. Uma visita a um doente, a um preso, o
consolo de alguém aflito pode ser mais importante que uma peregrinação
demorada. Tudo é importante, mas é preciso observar o mais importante
para a realidade espiritual.
Fonte: Canção Nova
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