Entrevista do Papa Francisco ao Mons. Dario Viganò foi publicada no livro: “O olhar: porta do coração. O neorrealismo entre memória e atualidade”Da redação, com Vatican
“Uma pedagogia para os olhos que muda nosso olhar míope, aproximando-o do próprio olhar de Deus”. Assim, o Papa retorna à sua chamada “catequese da humanidade”: o cinema. A ocasião é um novo livro de Mons. Dario Edoardo Viganò, vice-chanceler da Pontifícia Academia de Ciências e da Pontifícia Academia de Ciências Sociais.
“Lo sguardo: porta del cuore. Il neorealismo tra memoria e attualità” (O olhar: porta do coração. O neorrealismo entre memória e atualidade), ed. Effatà. Este é o título da obra que foi apresentada na Embaixada da Itália junto à Santa Sé.
As páginas se abrem com uma entrevista com o Papa. O diálogo leva a uma viagem “de memória e contemplação”. O Santo Padre volta no tempo para sua infância na Argentina. Ele recorda quando ouvia óperas no rádio com seus pais e via filmes em cinemas de Buenos Aires.
A catequese do olhar
Foi com os filmes que o Papa conheceu a autêntica história do neorrealismo. “Acho que vi todos os filmes com Anna Magnani e Aldo Fabrizi”. Filmes muito importantes que permitiram às crianças da época compreender em profundidade, além das histórias de migrantes, a grande tragédia da guerra mundial.
Para o Pontífice, os filmes do neorrealismo formaram e ainda formam o coração. Eles “nos ensinaram a olhar para a realidade com novos olhos”, comentou. Nas palavras do Sucessor de Pedro, é precisamente este olhar que é a ferramenta para enfrentar o flagelo da pandemia.
Esta crise sanitária, apontou Francisco, “parece multiplicar os fracassos da humanidade”. “Gera preocupação, medo, desânimo: por esta razão precisamos de olhos capazes de perfurar a escuridão da noite”.
Neste sentido o cinema também se torna uma esfera, um meio e uma oportunidade para uma “catequese do olhar”, destacou. De acordo com o Santo Padre precisamos de “uma pedagogia para nossos olhos que muitas vezes são incapazes de contemplar no meio da escuridão a ‘grande luz’ (Is 9,1) que Jesus traz”.
Ensinamentos do cinema
O neorrealismo, segundo o Papa, ainda que conte o drama italiano depois da II Guerra Mundial, tem um valor atemporal. Daí sua reflexão sobre o olhar que se abre para a transcendência e o cinema que pode ensinar a olhar.
“Como seria bonito redescobrir através do cinema a importância da educação ao olhar puro assim como o neorrealismo fez”, argumentou. Francisco cita especificamente os filmes “A Estrada da Vida” de Fellini e “A Culpa dos Pais” de Vittorio De Sica.
O Santo Padre Evidencia que em muitos filmes o olhar neorrealista tem sido o olhar das crianças sobre o mundo. “Um olhar puro, capaz de capturar tudo, um olhar claro através do qual podemos identificar imediata e claramente o bem e o mal”.
Depois, o Pontífice voltou suas lembranças à sua viagem à ilha de Lesbos, na Grécia. Ele recordou os olhos das crianças que vivem nos campos de refugiados: “Em muitas ocasiões e em muitos países diferentes, meus olhos encontraram os das crianças, pobres e ricas, saudáveis e doentes, alegres e sofredoras.
“Ser vistos pelos olhos das crianças é uma experiência que todos nós conhecemos, que nos toca ao fundo do coração e que também nos obriga a examinar nossas consciências”. É o que afirmou o Papa. Tal atitude, pontuou, levanta a questão: “O que fazemos para que as crianças possam nos olhar com um sorriso e manter um olhar claro, cheio de confiança e esperança? O que fazemos para que esta luz não seja roubada deles, para que estes olhos não sejam perturbados e corrompidos”?
Um olhar que transforma a realidade
Em um mundo atravessado pela mídia digital, que “pode expor ao risco de dependência, isolamento e progressiva perda do contato com a realidade concreta”, Francisco aponta o grande valor social do cinema. Ele é um meio de agregação e educação. No neorrealismo, o Papa vê uma lupa que “toca a realidade como ela é”, cuida dela e, portanto, “se relaciona”.
“Ver é um ato que é feito apenas com os olhos”, destacou. “Para olhar precisa-se dos olhos e do coração”. O Pontífice explicou que os filmes neorrealistas não são documentários que dão um simples registro “ocular da realidade; eles a devolvem, mas em toda a sua crueza, através de um olhar que envolve, que move as entranhas, que gera compaixão”.
Para o Santo Padre, é “a qualidade do olhar que faz a diferença, antes como agora. O olhar neorrealista não é um olhar de longe, mas um olhar que se aproxima, que toca a realidade como ela é, que cuida dela e, portanto, que se relaciona com ela”.
Um olhar que “transforma a realidade”, frisou. “Não é um olhar que o deixa onde você está, mas um olhar que o leva para cima, que o levanta, que o convida a se levantar”, perto dos últimos. Um “olhar que na escuridão preserva o sabor e a sensação de luz”. É um olhar de desvelamento”: capaz de mostrar passagens “onde vemos apenas um limite”, “abre brechas nas barreiras, vê os sinais de uma realidade mais bela e maior”.
Preservar a memória através de imagens
Por fim, o Papa enfatiza a necessidade de sermos bons guardiões da memória através de imagens. Elas devem ser transmitidas a nossos filhos e netos. O Papa amplia o discurso além da esfera estritamente cinematográfica para incluir fontes audiovisuais como um todo, como testemunhos preciosos do passado.
“Trata-se de documentos com um caráter intrinsecamente universal porque transcendem as fronteiras linguísticas e culturais e podem ser compreendidos por todos com imediatismo. E anuncia que está pensando em “uma instituição que funcionaria como Arquivo Central para a preservação permanente, ordenada segundo critérios científicos, de um fundo histórico audiovisual dos organismos da Santa Sé e da Igreja universal. Poderíamos chamá-lo de ‘Midiateca’, junto com o Arquivo e a Biblioteca, para a coleta e conservação do patrimônio de fontes audiovisuais históricas de alto nível religioso, artístico e humano”.
Fonte: Canção Nova
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